“Prémios de cinema para filmes sobre arte”
2ª edição
«Porque fazem filmes sobre artistas? É para documentar um trabalho artístico, ou para promover um artista, ou são filmes educacionais, encomendados pela TV ou coisa assim?», perguntou-me recentemente uma amiga, realizadora e guionista portuguesa bem conhecida, intrigada com o meu entusiasmo em receber e ver tantos filmes para a competição – cerca de 200 vindos do mundo inteiro. E então expliquei-lhe a investigação do realizador israelita DAN GEVA, no filme DESCRIPTION OF A MEMORY, que começa com o seu inesquecível grito «Que sonho restou? Vá, digam lá!», onde tenta descobrir o que Chris Marker previu realmente no filme Description of a Struggle, premiado em Berlim em 1962. Intenção semelhante é a do japonesa RIKA OHARA ao confrontar de forma descomprometida o pensamento de Yoko Ono com o mundo de hoje, no seu filme THE HEART OF NO PLACE, ou a de CEDRIC VENAIL na pegada do artista franco-israelita Absalon, que morreu aos 29 anos mas nos deixou A VIRUS IN THE CITY – todos eles demonstram que um artista tem o poder de comover ou inspirar as outras pessoas para o resto da vida. Contei-lhe que me vi literalmente sentada em casa do famoso pintor COLVILLE enquanto ele falava da sua vida e do seu trabalho de forma tão solta e íntima, tornando evidente a confiança que depositava em ANDREAS SCHULTZ quando este se propôs fazer um filme acerca dele; igual comportamento encontramos no artista Wolfgang Tillmans em relação ao realizador alemão HEIKO KALMBACH no filme IF ONE THING MATTERS – a film about Wolfgang Tillmans. Testemunhei o segredo e o risco quando Michael Biberstein pinta um quadro no filme O MEU AMIGO A TRABALHAR, do realizador português FERNANDO LOPES; suspendi a respiração ao entrar no universo do tão insultado pintor Gottfried Helnwein, graças à sensibilidade artística da realizadora CLAUDIA SCHMID no filme THE SILENCE OF INNOCENCE – The Artist Gottfried Helnwein; e, sim, até conheci Arnold Schwarzenegger sentado no seu escritório a falar de arte! Estes filmes não podem ser pura e simplesmente «encomendados» – requerem um entendimento e confiança mútuos, profundos, entre o realizador e o artista, podem levar anos a realizar, 40 anos no caso do filme de JEFFREY PERKINS intitulado THE PAINTER SAM FRANCIS, que me fez correr as lágrimas ao saber que este grande artista tinha morrido no ano passado… A minha amiga realizadora sentiu curiosidade de ver como se combinam múltiplos obstáculos e grandes esperanças na vida de um artista, como nos é dado ver em CINEMA PARADISE, do realizador coreano KIM TAI-YONG, ou as reações ao processo de seleção artística em ART AGAINST THE ODDS, de R. F. SIMPSON. Consegui por fim convencê-la de que é possível haver filmes inspiradores, não didáticos, sobre artistas que podem nem sequer falar para a câmara ou já ter morrido, como acontece em BARTHOLOMEU CID DOS SANTOS – Por terras devastadas, de JORGE SILVA MELO, que me disse: «Não houve artistas da Guerra Colonial; não era conveniente, evidentemente…» – ideia que nunca me tinha ocorrido –, ou em ISA HESSE RABINOVITCH – Das Grosse Spiel Film, de ANKA SCHMID, onde conheci uma incrível pessoa/artista que, não se demovendo com obstáculos na prossecução do seu trabalho, antes os tomava por desafio: «A partir da minha existência estrangeira e marginal tento construir um sentimento de orgulho…» Confesso que me foi impossível descrever à minha amiga o que senti ao ver o filme EL SISTEMA, de PAUL SMACZNY e MARIA STODTMEIER, acerca do visionário músico venezuelano José António Abreu, que com a sua força e arte já consegui transformar para melhor a vida de milhares de seres humanos, e continua a fazê-lo… e como fiquei sem palavras ao conhecer a personalidade e obra do poeta bósnio Goran Simic no filme WHEN YOU DIE AS A CAT, de ZORAN MASLIC – porque às vezes pode parecer embaraçoso e humilhante reconhecer que a arte é de facto uma estratégia de sobrevivência humana… pelo que toda a gente terá de ver na tela para crer… As intervenções artísticas em público são ainda mais surpreendentes quando compreendemos a visão do artista, como nos é dado a ver em DAYDREAMING IN PUBLIC, de SOFIA PONTE e TIAGO PEREIRA, ou em ON INDIAN TIME. ON RIGO 23, de LUIS CARAPETO. Quando me deparei com as transformações artísticas da realidade no filme TERRITÓRIOS DE PASSAGEM, de SOLVEIG NORDLUND, custou-me a crer nos meus olhos; e AUTOMORPHOSIS, de HARROD BLANK, metamorfosear-nos-á a todos, seguramente… E depois há aquela faceta da prática artística… quando os artistas parecem tão por dentro de… coisas que nos escapam… e magistralmente detetam ligações e relações. É o caso de CALDER – Sculptor of the Air, de FRANÇOIS LEVY-KUENTZ, maravilhosamente narrado: «Adorei o nariz dela. Parecia lançar-se no espaço» – razão bastante para o fazer visitar o planetário… Ou do exi[l]stencialista videoflaneur KONSTANTINOS-ANTONIOS GOUTOS, que este ano voltou a descobrir uma coisa «sem propósito nem plano» que nos é apresentada no seu filme MALANCHOLIA I, tão claro, tão por dentro, tão evidente, que nos interrogamos: mas porque nunca vi eu isto, desta maneira? Por fim creio ter conseguido convencer a minha amiga realizadora dos atrativos do programa deste ano e de que não se trata de fazer grandes planos sobre quadros, nem de espiar um escultor a talhar a pedra enquanto resmoneia umas explicações acerca da sua obra, nem de fazer diaporamas animados por uma voz jornalística a tecer loas à história e importância do artista, nem de três horas de documentação acerca de uma performance que devia ser assistida ao vivo, a três dimensões, e não na planeza de uma tela! Tão pouco se trata de filmes experimentais. São, simplesmente, filmes sobre arte. Mas quando finalmente lhe falei da ideia nova, notável, que tínhamos para forçar a consciência da importância e do atrativo da arte para toda a gente – e da sua aceitação por parte da RTP2 – alargando a competição de cinema às antenas de emissão, utilizando o voto público na seleção do TEMPS D’IMAGES/RTP2 – PRÉMIO DE AUDIÊNCIA PARA FILMES SOBRE ARTE, aí consegui pasmá-la. Peço-lhes que vejam o programa e respetivos pormenores no catálogo do TEMPS D’IMAGES PRÉMIO DE CINEMA PARA FILMES SOBRE ARTE 2009, que reservem as vossas noites de 2 a 12 de Novembro às sessões de televisão, e os vossos dias de 13 a 15 de Novembro ao festival no Museu Berardo, e que levem a cabo a vossa própria investigação sobre «Que sonhos restam? Vá, digam lá!»
Rajele Jain, Setembro 2009
“Temps d’Images Film Awards for films on art”
2nd edition
« Why to make films about artists? Is it to document an artistic work, or to promote an artist, or are they educational films, commissioned by TV or something? » A friend, a well-known Portuguese director and writer asked me recently, intrigued by my enthusiasm of receiving and seeing so many films for the competition – about 200 from around the world. And then I explained to her the investigation of the Israeli director DAN GEVA, in the film DESCRIPTION OF A MEMORY, which begins with his unforgettable cry “What dream is left? Please go on, say it! “, where he tries to find out what Chris Marker actually predicted in the film Description of a Struggle, awarded in Berlin in 1962. A similar intention is the one of the Japanese RIKA OHARA when confronting in an uncommitted way the thought of Yoko Ono with the world of today, in her film THE HEART OF NO PLACE, or the one of CEDRIC VENAIL about the footsteps of the Franco-Israeli artist Absalon, who died at the age of 29 but leaving us THE VIRUS IN THE CITY – all of them demonstrate that an artist has the power to touch or inspire others for the rest of their lives. I told her that I was literally sitting in the house of the famous painter COLVILLE while he was speaking about his life and work in such a loose and intimate way, evidencing the confidence he placed in ANDREAS SCHULTZ when he proposed to make a film about him; we can find the same behavior in Wolfgang Tillmans’ relation to the German director HEIKO KALMBACH in the film IF ONE THING MATTERS – a film about Wolfgang Tillmans. I witnessed the secret and risk when Michael Biberstein paints a painting in the film O MEU AMIGO A TRABALHAR, by the Portuguese director FERNANDO LOPES; I gasped as I entered the universe of the much-insulted painter Gottfried Helnwein, thanks to the artistic sensitivity of the director CLAUDIA SCHMID in the film THE SILENCE OF INNOCENCE – The Artist Gottfried Helnwein; and yes, I even met Arnold Schwarzenegger sitting in his office talking about art! These films cannot be simply «commissioned» – they require a deep, mutual understanding and trust, between the director and the artist, it can take 40 years in the case of JEFFREY PERKINS’ film entitled THE PAINTER SAM FRANCIS, which made me cry when I knew that this great artist had died last year… My filmmaker friend was curious to see how many obstacles and great hopes combine themselves in the life of an artist, as we can see in CINEMA PARADISE, by the Korean director KIM TAI-YONG, or the reactions to the artistic selection process in ART AGAINST THE ODDS, of R. F. SIMPSON. I finally managed to convince her that it is possible to have inspirational, non-didactic films about artists who may not even speak to the camera or have died, as in BARTHOLOMEU CID DOS SANTOS – Por terras devastadas, by JORGE SILVA MELO, who told me: “There were no artists of the Colonial War; it was not convenient, of course…” – an idea that had never occurred to me – or in ISA HESSE RABINOVITCH – Das Grosse Spiel Film, by ANKA SCHMID, where I met this incredible person/artist who, by not moving herself by obstacles in pursuit of her work, took them instead as a challenge: «From my foreign and marginal existence I try to build a sense of pride…». I confess that it was impossible for me to describe to my friend what I felt when I saw PAUL SMACZNY and MARIA STODTMEIER’s EL SISTEMA, about the visionary Venezuelan musician José António Abreu, whose strength and art already transformed the lives of thousands of human beings for the better, and continues to do so… and how I was speechless when I met the personality and work of the Bosnian poet Goran Simic in ZORAN MASLIC’s film WHEN YOU DIE AS A CAT – because sometimes it may seem embarrassing and humiliating to recognize that art is in fact a human survival strategy… but in order to believe it everyone needs to see themselves on the screen… Public art interventions are even more surprising when we understand the artist’s vision, as we can see in DAYDREAMING IN PUBLIC, by SOFIA PONTE and TIAGO PEREIRA, or in ON INDIAN TIME. ON RIGO 23, by LUIS CARAPETO. When I came across with the artistic transformations of reality in SOLVEIG NORDLUND’s TERRITÓRIOS DE PASSAGEM, it was hard to believe in my eyes; and AUTOMORPHOSIS, by HARROD BLANK, will morph us all, surely… And then there is that facet of the artistic practice… when the artists seem so deep inside of… things that escape us… and masterfully detect links and relationships. This is the case of CALDER – Sculptor of the Air, by FRANÇOIS LEVY-KUENTZ, beautifully narrated: «I loved her nose. It seemed to launch itself into space» – a reason enough to make him visit the planetarium… Or from the existentialist video-flaneur KONSTANTINOS-ANTONIOS GOUTOS, who this year again discovered again something «without purpose or plan» that is presented to us in his film MALANCHOLIA I, so deep inside, so evident, that we wonder: but why did I never see it this way? Finally, I believe I have succeeded in convincing my friend of the accomplishments of this year’s program, and that it is not a matter of making big shots on paintings, or of spying on a sculptor’s carving stone while mumbling some explanations about his work, or of doing animated slides with a journalistic voice underneath flattering about the history and importance of the artist, nor of three hours of documentation about a performance that was to be watched live, in three dimensions, not in the flatness of a screen! Nor are these experimental films. They are simply films about art. But when I finally told her about the new, remarkable idea we had to push the awareness of the importance and appeal of art to everyone – and its acceptance by RTP2 – by extending film competition to the broadcasting antennas, using the public vote in the selection of TEMPS D’IMAGES/RTP2 – AUDIENCE PRIZE FOR FILMS ON ART, I was able to amaze her. Thus, I ask you to see the program and its details in the catalog of the TEMPS D’IMAGES FILM PRIZE FOR FILMS ON ART 2009, that you reserve your nights from November 2 to 12 to the television sessions, and your days from 13 to 15 of November to the festival at the Berardo Museum, and to carry out your own research on «What dreams are left? Go on, say it!»
Rajele Jain, September 2009