“FUSO 2017 – 22 a 27 de Agosto“
26 Agosto, 23h15
Museu Nacional de História Natural e da Ciência
Territórios audiovisuais: passados e presentes Ibero-americanos
Curadoria de Jorge La Ferla
Duração da sessão 60’
Esta seleção de vídeos da América Latina realizada para o FUSO 2017 vincula-se ao evento Passado e Presente – Lisboa, Capital Ibero-americana da Cultura. O programa propõe uma breve passagem pela produção audiovisual do continente. A partir de obras realizadas nas primeiras duas décadas do terceiro milénio, os vídeos eleitos expõem variadas leituras de contextos históricos, sociais e políticos em representações marcadas pela pós-especificidade das artes tecnológicas e as relações da imagem em movimento no cinema e no vídeo, amalgamados na imagem digital. A uniformização do espetáculo a nível global leva-nos a pensar em velhas questões sobre a autoria, o trabalho artístico e a encenação de leituras num contexto latino-americano.
O gradual encerramento das fronteiras a norte do Rio Grande está ligado à circulação entre as regiões e nações do sul do continente, onde o processo cíclico entre governos populistas e liberais andam de mãos dadas com uma pseudo globalização. A imposição de economias aparentemente abertas terminou com a produção industrial nacional e afirmou o papel da região como uma área de reserva e produtora de matérias-primas. Aquele pensamento opositor de resistência que existia no século XX terminou convertido, no melhor dos casos, num mero recurso retórico, como suporte de uma repartição da riqueza cada vez mais injusta para um espectro político em que a corrupção é o bem comum de todas as administrações. Esta conjuntura política sustém-se nos mass media e nas artes audiovisuais do espetáculo, assim como num mercado ligado ao sistema de poder local e global. Esta situação está ancorada nos aparelhos ideológicos mediáticos concentrados numas poucas corporações que dominam o espaço audiovisual e pautam as normas de consenso dos cidadãos espectadores. A uniformização destas mensagens cinematográficas, televisivas e telemáticas, baseadas no entretenimento, propõem um discurso pouco eficaz e pouco convincente.
Esta mostra apresenta outras diretrizes conceptuais que provêm historicamente da arte contemporânea, do cinema experimental, da vídeo arte e do multimédia para uma diversidade de discursos distante do mainstream do cinema de longas-metragens latino-americano.
Uma parte destas obras respondem a uma tendência importante, como é o uso de arquivos fotográficos, cinematográficos, televisivos, digitais. The Act de Diego Lama, parte de uma imagem da câmara de deputados do Peru na qual é feita uma inversão da imagem mediática para uma imagem jornalística. Em Familiar, de Paz Encina são os arquivos de uma ditadura do general Stroessner que são processados, colocando em evidência o sistema persecutório indiscriminado de um passado recente. Por seu lado, Caja Negra de Gerardo Suter parte de imagens de origem duvidosa que circulam na internet que documentam trajetos de silhuetas atravessando fronteiras. Once de Septiembre de Claudia Aravena confronta memórias mediáticas a partir de transmissões televisivas de imagens do golpe militar no Chile e as do ano de 2001 em Manhattan, que coincidem em dia e ano. Paisaje para una persona de Florencia Levy reconstitui um relato com base em imagens virtuais que nos remetem aos vestígios de um mundo globalizado através de programas informáticos de marca que impõem uma aparente visão do mundo real. Em todos os casos o trabalho do artista reformula um discurso baseado na política de arquivos que desarticulam a função original das imagens, numa nova interpretação para uma leitura diversa sobre conflitos e injustiças.
O outro conjunto oferece visões aparentemente poéticas ainda que desmascarando os conflitos culturais, pessoais e urbanos. Como Hacer Llover de Edgar Endress retoma a problemática das etnias originais em crenças e ritos vinculados a uma cultura andina, essência da verdadeira identidade de um país vinculada ao culto da natureza. Uyuni de Andrés Denegri reconsidera o ambiente do altiplano, sendo a cadência do fotograma fílmico e o enquadramento o que sugere um distanciamento do ato de ver. Tensa Calma, de Alfredo Salomón, acontece num dos quartos de uma casa, uma performance onde o corpo e a arma de fogo confluem numa paródia da violência descontrolada.
Este breve mostruário de obras e autores caracteriza-se por uma ética na experimentação audiovisual para a representação de um ambiente complexo da América Latina, distante de qualquer normativa do espetáculo, propondo outras visões no ato de ver e narrar através de uma câmara e de uma estrutura que se inscreve como guião definitivo no delicado processo da sua pós-produção.
Jorge La Ferla, 2017
Edgar Endress, Como hacer llover, 10’
Uma visão do mundo andino patagónico a partir da relação dos corpos dos protagonistas mapuches com a paisagem e com os rituais, costumes e o quotidiano. Endress mantém seu estilo de filmar, nomeadamente a cerimónia de ver, gravar e pensar através da câmara, como ritual central do vídeo.
Andrés Denegri, Uyuni, 2008, 8’18’’
O Altiplano Bolíviano é apresentado, por meio da imagem fílmica e eletrónica, por dois personagens fora de plano, mas que interagem na sua intimidade. A paisagem visual e sonora é marcada pela luz e sinais de rádio com notícias de um ambiente de conflito.
Diego Lama, The Act, 2012, 3’36’’
No espaço do hemiciclo da câmara de deputados, na cidade de Lima, chovem flocos de cocaína. Uma ironia, visual e conceptual sobre o Peru, considerado um dos principais produtores e exportadores de pasta de coca do continente, por mais que não seja um tema da agenda do parlamento. O vídeo relaciona esta situação com a eleição de um congressista produtor de coca, vinculado sem embargo ao aspeto ancestral da folha de cocaína.
Claudia Aravena Abughosh, Once de septiembre, 2002, 5’30’’
A data trágica do início da ditadura militar no Chile depois do sangrento golpe de estado é revisitada depois do ataque às torres gémeas em Nova Iorque. O registo dos media em 1973 e a imagem televisiva de 2001 são manipulados a partir da tecnologia digital, por meio de um hipertexto que remete ao discurso de Salvador Allende, Marguerite Duras e Alain Resnais.
Montagem Guillermo Cifuentes
Som Santiago de la Cruz
Textos Marguerite Duras (em Hiroshima mon amour), Salvador Allende (September 11th 1973, Radio Magallanes), e Claudia Aravena A.
Premiado pelo Oberhausen International Short Film Festival
Alfredo Salomón, Tensa Calma, 2008, 8’31’’
Reflexão em torno de um contexto urbano e do corpo ameaçado. Uma abordagem à linguagem performática que revela o seu complexo potencial expressivo através do planeamento, do desencadeamento e da complicação de ações específicas ao redor de uma arma de fogo.
Conceção A. Salomón
Interpretação e Coreografia Evoé Sotelo
Cinematografia Andrés Castañeda
Produção Elsa Castillo
Figurino Mauricio Ascencio
Fotografias Joul Ignición e Davii Rangda
Som Adán Ramírez
María Paz Encina, Familiar, 2014, 9’
Um filme de found footage, que juntamente com Arribo e Tristezas forma parte de uma trilogia que revê a história recente do Paraguai a partir das sequelas que surgem de uma política de revisão de arquivos que testemunham a carga ditatorial que sofre o país durante grande parte do século XX. Os prontuários, as fotografias, as imagens em movimento, os sons são reinterpretados pela pós-produção digital numa série de três obras que serão a base ensaística e projetual daquela que é a nova longa-metragem de Paz Encina, Espacios de Memoria (2017).
Gerardo Suter, Caja Negra (Caixa Negra), 2017, 8’30’’
Caixa Negra tem a sua origem num vídeo colocado online por um caçador de migrantes anónimo, o qual afirma tratar-se de um dos seus melhores registos, pela qualidade e duração, captado com uma câmara térmica. Através de um plano sequência, o título Caixa Negra recupera o nome original da peça sonora realizada pelo compositor Antonio Russek, e relaciona esta captura noturna com a ideia de memória física guardada na caixa negra de qualquer meio de transporte atual e a que se acede regulamente no caso de um acidente. Esta obra trata da problemática dos deslocados, dos imigrantes, dos indocumentados, dos clandestinos a partir do uso de arquivos da internet, o que pode implicar ser estrangeiro a tentar movimentar-se por territórios hostis.
Florencia Levy, Paisaje para una persona (Paisagem para uma pessoa), 2014, 8’16’’
Paisagem para uma pessoa é uma tour virtual por diferentes zonas geográfica, filmado inteiramente na plataforma Google Street View e editado com áudio extraído da televisão e de entrevistas que Levy realizou pessoalmente a pessoas que se encontravam em conflito de circulação ou deportação. As distintas paisagens servem de cenário para uma narrativa que as desloca da sua possível representação, gerando um novo sentido entre a imagem e o relato, enunciando a questão das políticas migratórias. Os territórios geográficos são lidos, e idealizados, por meio do tratamento mediático que a realizadora gera, numa reflexão sobre estas paisagens, as pessoas e as tecnologias da informação.
“FUSO 2017 – August 22 to 27“
August 26, 11:15pm
Museu Nacional de História Natural e da Ciência
Ibero-American Audiovisual Territories
Curatorship by Jorge La Ferla
Total running time 60’
This selection of videos from Latin America made for FUSO 2017 is linked to the events of Past and Present – Lisbon, Ibero-American Capital of Culture. The program proposes a brief tour on the continent’s audiovisual production. Presenting works created in the first two decades of the third millennium, the chosen videos expose various readings of historical, social and political contexts in representations marked by the post specificity of technological arts and their relations to moving image in cinema and video within digital image. The standardization of the spectacle in a global context impels us to think about former matters regarding authorship, artistic work and enactment of readings on a Latin American context.
The gradual shutdown of Bravo River’s north borders is linked to the movement between regions and nations in the south of the continent, where the cyclical process between populist and liberal governments goes hand in hand with a pseudo globalization. The imposition of seemingly open economies has ended the national industrial production and affirmed the role of the region as a reserve and raw material production area. The resistance that existed in the twentieth century ended up turning, in the best case, into a mere rhetorical resource as a support for an increasingly unfair distribution of wealth for a political spectrum in which corruption is the common good of all the ruling administrations. This political conjuncture is sustained in the mass media and audiovisual arts of the spectacle, as well as in a market linked to the local and global power system. This situation is strengthened in the media’s ideological apparatuses concentrated in a few corporations which dominate the audiovisual market and shape the consensual norms of the viewers/citizens. The standardization of these cinematic, televisual and telematic messages based on entertainment proposes an inefficient, unconvincing discourse.
This program presents other conceptual lines historically coming from contemporary art, experimental cinema, video art and multimedia, creating a diversity of discourses distant from those of the actual mainstream of Latin American feature films industry.
Some of these works address a major trend, that is the use of photographic, cinematographic, televisual and digital archival material. The Act by Diego Lama, presents an image of the Chamber of Deputies in Peru which is reversed from a mediatic image into a journalistic one. In Familiar by Paz Encina, the archives of General Stroessner’s dictatorship are processed by exposing the indiscriminate persecutory system of a recent past; On the other hand, Caja Negra (Black Box) by Gerardo Suter uses web images of dubious origin documenting the paths of silhouettes while they cross borders; Once de Septiembre (September Eleven) by Claudia Aravena confronts mediatic memories from broadcasted television images of the military coup in Chile and those of September 11, 2001 in Manhattan, which happened in the same day; Paisaje para una persona (Landscape for a person) by Florence Levy reconstitutes a story based on virtual images referring to vestiges of a globalized world through genuine software that imposes an apparent vision of the real world. In all cases, the artist’s work reformulates a discourse based on the politics of archives that disarticulate the original function of the images, in a new interpretation for a diverse perception of conflicts and injustices.
The second half offers seemingly poetic visions although unmasking cultural, personal and urban conflicts. Como hacer llover (How to Make it Rain) by Edgar Endress retakes the problematics of the original ethnicities on beliefs and rites linked to the Andean culture, essence of the true identity of a country linked to the cult of nature. Uyuni de Andrés Denegri reconsiders the environment of the plateau, in which the cadence of the film and its video framing bring an estrangement to the act of seeing. Tensa Calma by Alfredo Salomón takes place at the surroundings of an urban location; in one of the rooms of a house takes place a performance in which both body and firearm merge in a parody of uncontrolled violence.
This brief sample of works and authors is characterized by an ethics of audiovisual experimentation on the representation of a complex Latin American environment far from any normative spectacle; proposing other visions in the act of seeing and narrating through a camera and through a structure that is inscribed as a definitive script in the delicate process of post-production.
Jorge La Ferla, 2017
Edgar Endress, Como hacer llover (How to make it rain), 10’
A vision of the Patagonian Andean panorama based on the relationship of the Mapuche protagonists with the real landscape and with the mystical based on rites and behaviours. The very ceremony of seeing, recording and thinking through the camera, as the central rite of making a video.
Andrés Denegri, Uyuni, 2008, 8’18’’
The Bolivian highland (high plateau) is presented here, through filmic and electronic image, from the point of view of two persons who remain off screen but interact in their own intimacy. The visual and sound landscape is marked by light and radio transmission with news of an environment in conflict.
Diego Lama, The Act, 2012, 3’36’’
By the hemicycle of the chamber of deputies, in the city of Lima, flakes of cocaine rain. An ironic visual and conceptual statement about Peru considered nowadays as one of the main producers and exporters of coca paste in the continent, even though this does not take part in the parliament’s agenda. The video also refers to the paradoxical election of a congressman and cocaine producer, linked to it by the ancestral aspect of the coca leaf.
Claudia Aravena Abughosh, Once de septiembre, 2002, 5’30’’
The tragic date of the beginning of the military dictatorship in Chile after the bloody coup is revisited after the attack on the twin towers in New York. Recordings of the media in 1973 and television images in 2001 are manipulated through digital technology using a hypertext which refers to the speech of Salvador Allende and to the writings of Marguerite Duras and Alain Resnais.
Editing Guillermo Cifuentes
Sound Santiago de la Cruz
Texts Marguerite Duras (in Hiroshima mon amour), Salvador Allende (September 11th 1973, Radio Magallanes), and Claudia Aravena A.
Awarded by Oberhausen International Short Film Festival
Alfredo Salomón, Tensa Calma, 2008, 8’31’’
A reflection concerning an urban context and the threatened body using a scenic language for video that reveals its expressive potential in joining a performative action and the entangling of specific actions around a camera and a firearm.
Concept A. Salomón
Performance and Choreography Evoé Sotelo
Cinematography Andrés Castañeda
Production Elsa Castillo
Costumes Mauricio Ascencio
Stills Joul Ignición and Davii Rangda
Sound Adán Ramírez
María Paz Encina, Familiar, 2014, 9’
Familiar, together with Arribo and Tristezas, forms a trilogy which reviews the recent history of Paraguay from the aftermath of a policy of reviewing archives on the long dictatorship in Paraguay during the twentieth century. The records, photographs, moving images and sounds are reinterpreted and analysed from the present of dubious democratic values. This series of three works will be the essayistic and projectual basis for Espacios de Memoria (Spaces of Memory), 2017, a new feature film by Paz Encina.
Gerardo Suter, Caja Negra (Black Box), 2017, 8’30’’
Caixa Negra (Black Box) has its origin in a video posted online by an anonymous migrant hunter, which claims to be one of his best records, by its quality and duration, captured with a thermal camera. Through a sequence shot, the title Caixa Negra recovers the original name of the sound piece performed by the composer Antonio Russek, and relates this nocturnal capture with the idea of physical memory stored in the black box of any current transportation and which is accessed in the case of an accident. This work deals with the problem of the displaced, of the immigrants, of the undocumented, of the clandestine ones by the use of online archives, about what means to be a foreign trying to move along hostile territories.
Florencia Levy, Paisaje para una persona (Landscape for a person), 2014, 8’16’’
Paisaje para una persona (Landscape for a person) is a virtual tour across different geographical areas, filmed entirely on the Google Street View platform and edited with audio from television and interviews that Levy personally conducted to people who suffered from circulation or deportation conflicts. The different landscapes work as scenery for a narrative which displaces them from their possible representation, creating a new meaning between image and report, while stating issues related to migration policies. Geographical territories are interpreted and idealized through the mediatic treatment generated by the director, in a reflection on these landscapes, people and information technologies.