“FUSO 2017 – 22 a 27 de Agosto“
26 Agosto, 22h
Museu Nacional de História Natural e da Ciência
A Terra no Meio
Curadoria de Miguel A. López
Duração da sessão 44’
Este programa intitulado A Terra no Meio é uma abordagem aos usos e transformações do vídeo contemporâneo na América Central. A seleção apresenta na sua maioria obras produzidas durante a última década, as quais abordam preocupações locais distintas: desde a relação com a natureza e a questão da sustentabilidade ecológica, as memórias da guerra interna e as ditaduras, a discriminação sexual e a violência de género, assim como explorações íntimas sobre a perda, a dor e o desejo.
O título A Terra no Meio – que evoca uma das obras de Stephanie Williams incluída no programa – aponta também a relação problemática da América Central com o resto da América Latina e dos Estados Unidos. Em algumas obras é possível ver como a questão da identidade regional é transformada num espaço de crítica e paródia de olhares idealistas e exóticos (a região como um paraíso tropical), os legados da colonialidade (os símbolos, os monumentos, os imaginários exóticos) e as estruturas de autoridade e poder que dominam o sistema económico e político do presente (o poder militar, o patriarcado, o neoliberalismo). As obras oferecem distintas formas de trabalhar com o vídeo, desde vídeo-performances, registos de ações de rua até animações digitais, as quais buscam mobilizar o poder da imagem em invocar outras formas de construir a linguagem, o corpo e a comunidade.
Miguel A. López, 2017
Hugo Ochoa, Kakakak!, 2007, 1’08’’
Uma viagem fantástica dentro do mecanismo interno de uma máquina dá-nos a oportunidade de reciclar fragmentos da história da chamada “República das Bananas”.
Carlos Fernández, Agrofit, 2014, 6’
A constância no trabalho agrícola realizado manualmente pode lentamente magoar-nos (costas, braços, mãos, ou mesmo a saúde devido aos agroquímicos). Agrofit assinala a necessidade de cuidar da saúde de quem trabalha a terra. A obra compreende duas práticas da própria vida do artista: arte e agricultura. Agrofit fala de uma ética de trabalho, onde se vela pela saúde física tanto para o indivíduo como para a própria terra. Trata-se de exercitarmos enquanto cultivamos alimentos.
Lucía Madriz, Reclamo, 2017, 54’’
“A Terra gira, os rios correm, as plantas crescem;
Existe um fluxo que nos toca, nos atravessa e sobrepõe.”
Lucía Madriz
Interessa a artista como nos relacionamos com a natureza e os seus recursos através dos nossos hábitos e atitudes. O impacto da atividade humana está a definir o futuro da vida no planeta e para Lucía Madriz é vital reconhecermo-nos como seres biológicos mortais dependentes dos recursos deste planeta.
Jonathan Harker, Awaman – Manawa Nicarawa, 2010, 3’14’’
Manágua, Nicarágua é uma canção de Irving Fields e Albert Gamse de 1946, durante a idade de ouro de uma Manágua moderna, etapa à qual faz referência. As suas letras racistas e condescendentes dão conta da relação profundamente desigual entre os Estados Unidos e Nicarágua, situação que se segue replicando até aos nossos dias, tanto ali como noutros lugares da América Latina. Ainda assim, o tema fala de dias melhores de uma cidade hoje descuidada e das mordomias que um país podia proporcionar a quem tinha a astúcia de as aproveitar.
Alejandro de la Guerra, La batalla de cuarzos, 2013, 2’
Em Setembro de 1856, o camponês e nicaraguense Andrés Castro destacou-se na Batalha de San Jacinto, quando, depois de ficar sem munições, conseguiu derrubar com uma pedra um dos flibusteiros das tropas de William Walker. Por este gesto, Castro é um importante herói nacional e a sua ação é recordada como uma das mais valentes defesas da soberania de Nicarágua. Alejandro de la Guerra visita o monumento de Andrés Castro armado com fisgas, talvez como uma homenagem à própria luta centro-americana contra os flibusteiros onde se enfrentaram forças desiguais.
Stephanie Williams, Relato de la tierra del medio (Relato da terra do meio), 2015, 6’44’’
Relato da terra do meio é um vídeo que mostra a (re)construção fictícia de uma pintura baseada nas telas coloniais utilizadas como sistema de escrita, com pictogramas combinados com narrativas orais. Cada pictograma era aprendido previamente, facilitando a comunicação entre os conquistadores e os conquistados. O projeto consistiu em (re)criar “a história da conquista da imagem” no “Lugar do meio”, a partir do estudo de telas coloniais sobre a conquista, localizadas em diferentes contextos, mas mantendo as relações formais e uma história comum.
Sandra Monterroso, La demoledora, 2010, 1’54’’
Uma mulher destrói e achata potes usados para cozinhar tamales (uma comida tradicional Guatemalense), manejando uma máquina demolidora. Paradoxo de demolir a retórica dos processos culturais e as dinâmicas do poder estabelecidas sobre as mulheres.
Romina Memoli Amador, Ilícitas, 2016, 2’
Ilícitas é uma pequeníssima pergunta ao porquê.
Crack Rodríguez, Teorema de la desubicación (Teorema do extravio), 2013, 1’
Teorema do extravio fala da desconstrução de materiais escolares confrontado com a ausência da memória democrática no local onde sucedeu o massacre dos estudantes da Universidade Nacional de El Salvador a 30 de julho de 1975 por soldados das Forças Armadas.
Alexia Miranda, Carrousel, 2012, 4’56’’
Carrousel surge como uma reflexão sobre o ciclo de vida que levamos, o processo de busca, o encontro, o apego à vida. O Carrossel como elemento atemporal girando sobre o seu próprio eixo, e como símbolo circular de infinito balanço: a vida como esse vaivém existencial, monótono, caótico que foi estudado por distintas culturas através do tempo. “Na ação luto com os meus apegos, permaneço no objeto inanimado. Nele deposito o meu amor e a minha confiança, há um apego que não posso deixar ir, algo que não posso soltar, uma recordação da infância, uma nostalgia profunda, e eu atada, aferrada à imobilidade, quando tudo à minha volta gira, e muda: devo soltá-lo, porque a vida é mudança e essa é a nossa única verdade.”
María Raquel Cochez, Exceso de piel (Excesso de pele), 2006, 1’32’’
Em Excesso de Pele (2006), Cochez aparece nua com um saco de papel sobre a cabeça, com duas aberturas para os olhos. Começa a bailar e a agitar-se, palpavelmente divertida pelos agitados movimentos das suas dobras de pele penduradas.
Jorge de León, Estudio sobre la luz y sombra (Estudo de Luz e Sombra), 2014, 3’09’’
A obra O Boi Esfolado de Rembrandt é a principal referência para este vídeo, cujo título é Estudo de Luz e Sombra. A obra retoma o espaço escuro que contrasta tanto com o grotesco e o volume, como com a crueza e realismo da carcaça do boi. Na performance, um homem tenta entrar no cadáver de um boi esfolado procurando apropriar-se dele enquanto o invade.
Mario Santizo, Carne, 2015, 2’20’’
A animação está divida em duas secções, bebé-mulher e bebé-homem. Encontramo-nos frente ao espelho a ver a nossa nudez, fragilidade, a sentir insatisfação com os nossos corpos. A necessidade de aceitação leva-nos a esta insatisfação com a nossa aparência física que pode aparecer em diferentes etapas da nossa vida e que começa a formar-se desde que somos crianças.
Humberto Velez, The Last Builder, 2008, 5’29’’, película super 8 transferida para digital, P&B
Nós chamamos-lhe José, sem qualquer razão, embora o seu nome seja Dionísio Herrera Gonzalez; uma das muitas coisas inexplicáveis numa vida cheia de segredos. Ele tinha 70 anos neste filme. Nasceu na Jamaica, de pais Cubano-Orientais, sempre enfatizou. E chegou ao Panamá quando era ainda uma pequena criança. Foi através de amigos que o seu pai fez durante a construção do canal, que foi contratado quando tinha apenas 15 anos de idade, sobre outro nome e indicando uma idade diferente. Nem José, nem Dionísio, ele era realmente um Hércules, que se gabava de ter dividido a espinha dos continentes com as suas mãos. Eu abri-o com as minhas próprias mãos – dizia ele, enquanto moía o milho. Parecia que o continente lhe tinha transferido a força. Esta não foi a sua única conquista. Um pioneiro do body building como forma de vida, ele esculpiu o seu corpo, desafiando o tempo. O tempo, por outro lado, não se permitiu ser completamente contrariado, mantendo a cara para si.
Com Dionisio Herrera Gonzalez
Música Nikola Kodjabashia
Edição Willian Aldersley
“FUSO 2017 – August 22 to 27“
August 26, 10pm
Museu Nacional de História Natural e da Ciência
The Land in the Middle
Curatorship by Miguel A. López
Total running time 44’
This program titled The Land in the Middle is an approach to the practice and transformations of contemporary video from Central America. The selection presents mostly works produced during the last decade which address different local concerns: from the relationship with nature and the question of ecological sustainability, memories of civil war and dictatorships, sexual discrimination and violence related to gender; to intimate explorations of loss, grief and desire.
The title The Land in the Middle – which evokes a work by Stephanie Williams included in the program, also points out the problematic relationship between Central America and the rest of both Latin America and United States. In some works, it is possible to see how the question of regional identity is transformed into a space of criticism and parody of the idealizing and exoticizing gaze (the region as a tropical paradise), the legacies of coloniality (symbols, monuments, exoticizing imaginaries) and the structures of authority and power dominating the present economic and political system (military power, patriarchy, neoliberalism). The works offer different ways of working with video, from video-performances and records of actions in the street to digital animations, which seek to mobilize the power of image to invoke other ways of building language, body and community.
Miguel A. López, 2017
Hugo Ochoa, Kakakak!, 2007, 1’08’’
A fantastic journey inside the internal mechanism of a machine gives us the opportunity to recycle history fragments of the so-called “Banana Republic”.
Carlos Fernández, Agrofit, 2014, 6’
The repetition in doing manual farm work can hurt us slowly (affecting the back, arms, hands, or even the health due to agrochemicals). Agrofit points out the need to care for the health of those who work the land. This video comprises two practices of the artist’s own life: art and agriculture. Agrofit is about a work ethic that observes physical health for both individual and land. It is about exercising while we grow food.
Lucía Madriz, Reclamo, 2017, 54’’
“Earth spins, rivers flow, plants grow;
There is a flow that touches, crosses and surpasses us.”
Lucía Madriz
The artist is interested in how we relate to nature and its resources through our habits and attitudes. The impact of human activity is defining the future of life on the planet and for Lucía Madriz it is vital that we recognize ourselves as mortal biological beings dependent on the resources of this planet.
Jonathan Harker, Awaman – Manawa Nicarawa, 2010, 3’14’’
Managua, Nicaragua is a song by Irving Fields and Albert Gamse aired in 1946, during the golden age of modern Managua, to which stage it refers. The racist and condescending lyrics show the deeply unequal relationship between the United States and Nicaragua, a situation that continues to this day both there and elsewhere in Latin America. Even so, it speaks of better days, of a city today neglected and of the stewardships a country could provide to those who had the cunning to take advantage of them.
Alejandro de la Guerra, La batalla de cuarzos, 2013, 2’
In September 1856, Nicaraguan peasant and soldier Andrés Castro stood out at the Battle of San Jacinto when, having run out of ammunition, he succeeded in knocking down with a rock one of the filibusters of William Walker’s troops. Through this gesture, Castro became an important national hero and his action is widely remembered as one of the most courageous defences of the sovereignty of Nicaragua.
Alejandro de la Guerra visits the monument of Andrés Castro armed with a slingshot, perhaps as a tribute to the Central American fight against the filibusters in which they faced unequal forces.
Stephanie Williams, Relato de la tierra del medio, 2015, 6’44’’
Relato de la tierra del medio is a video presenting the fictitious (re)construction of a painting based on colonial canvases used as a writing system with pictograms combined with oral narratives. Each pictogram was previously learned, which smoothed the communication between the conquerors and the conquered. The project consisted in (re)creating “the history of the conquest of the image” at the “Place in the middle”, from the study of colonial canvases on the conquest, located in different contexts, but maintaining the common formal relations and history.
Sandra Monterroso, La demoledora, 2010, 1’54’’
A woman takes action to demolish and flatten pots used to cook tamales (a traditional Guatemalan food), driving a wrecking machine. A paradox of demolishing the rhetoric of cultural processes and dynamics of established power over women.
Romina Memoli Amador, Ilícitas, 2016, 2’
Ilícitas is a very small question to the why itself.
Crack Rodríguez, Teorema de la desubicación, 2013, 1’
Deconstruction of the teaching apparatus in the absence of democratic memory in the place where the massacre of students from the National University of El Salvador was committed, on July 30th, 1975, by soldiers of the Armed Forces.
Alexia Miranda, Carrousel, 2012, 4’56’’
Carrousel emerges as a reflection on the life cycle we have inside, the process of searching, encounter, attachment to life. The carousel as a timeless element spinning on its own axis, and as a circular symbol of infinite swing: life as that existential, monotonous, chaotic swing that has been studied by different cultures over time. “Throughout the action I battle my addictions, I remain in the inanimate object. In it I deposit my love and trust, there is an attachment I cannot let go of, something I cannot release, a childhood memory, a deep nostalgia, myself bounded, clinging to immobility; When everything around me spins, and changes: I must let it go, because life is change and that is our only truth.”
María Raquel Cochez, Exceso de piel, 2006, 1’32’’
In Exceso de piel (2006), Cochez appears naked only wearing a paper bag over her head with two openings for the eyes. She begins to dance and swing, palpably amused by the trembling movements of the hanging folds of her skin.
Jorge de León, Estudio sobre la luz y sombra (Study of light and shadow), 2014, 3’09’’
Slaughtered Ox, a Rembrandt’s painting, is the main reference for this work titled Study of light and shadow. It goes back to the dark space which contrasts with both the grotesque and the dimension, as with the crudeness and realism of the animal’s carcass. In the performance, a man tries to enter the corpse of a skinned ox, trying to appropriate it while invading it.
Jorge de León, Estudio sobre la luz y sombra (Estudo de Luz e Sombra), 2014, 3’09’’
A obra O Boi Esfolado de Rembrandt é a principal referência para este vídeo, cujo título é Estudo de Luz e Sombra. A obra retoma o espaço escuro que contrasta tanto com o grotesco e o volume, como com a crueza e realismo da carcaça do boi. Na performance, um homem tenta entrar no cadáver de um boi esfolado procurando apropriar-se dele enquanto o invade.
Mario Santizo, Carne, 2015, 2’20’’
The animation is divided into two sections, baby-woman and baby-man. We find ourselves in front of the mirror and we see our nakedness, fragility, we feel discontent with our bodies. The need for acceptance leads to this dissatisfaction with our physical appearance that may appear in different stages of our life and which already begins to take shape in our childhood.
Humberto Velez, The Last Builder, 2008, 5’29’’, super 8 film transferred into digital, b&w
We called him Jose, for no reason, although his name was Dionisio Herrera Gonzalez; one of the many unexplained things in a life full of secrets. He was seventy years old when he was captured in this film. He was born in Jamaica, of Cuban-Oriental parents, he always emphasized this. And he arrived in Panama when he was still a small child. It was through his father’s friends he made during the canal construction, that Jose was hired when he was only fifteen years old, under another name and stating a different age. Neither Jose, nor Dionisio, he really was a Hercules, who bragged that he had split the continents spine with his hands. I opened it with my own hands – he would say, while grinding corn. It seemed as if the continent had transferred its strength to him. This was not his only achievement. A pioneer of bodybuilding as a way of life, he had sculpted his body, defying time. Time, on the other hand, had not allowed itself to be completely thwarted, thus taking his face.
With Dionisio Herrera Gonzalez
Soundtrack Nikola Kodjabashia
Editing Willian Aldersley