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“FUSO 2018 – 27 Agosto a 2 Setembro

1 Setembro, 22h
Museu Nacional de História Natural e da Ciência (MUHNAC)

 

Diálogos de Mãos: Richard Serra, Rivane Neuenschwander e Tamar Guimarães 
Curadoria de Kiki Mazzucchelli
Duração da sessão 45’

 

Em 1966, Lygia Clark realizou uma proposição em parceria com Hélio Oiticica que envolvia dois participantes cujos pulsos são atados por uma faixa elástica em forma de uma fita de Möbius. Nessa obra hoje considerada emblemática do Neoconcretismo brasileiro, as mãos se tornam protagonistas de um jogo de intersubjetividade no qual a perceção do dentro e do fora está em constante mutação. Clark concebeu esta proposta enquanto fazia fisioterapia no pulso após ter sofrido um acidente de carro.

Curiosamente, neste mesmo ano Yvonne Rainer se recuperava de uma cirurgia no hospital quando recrutou o coreógrafo William Davis para gravar o que seria seu primeiro filme, Hand Movie. Impossibilitada de utilizar seu corpo como instrumento, Rainer executa uma performance para a câmara na qual realiza movimentos aparentemente quotidianos e ao mesmo tempo extremamente complexos com os dedos da sua mão direita.

Este programa toma emprestado o título da obra de Clark e inclui duas obras diretamente influenciadas pelo filme de Rainer, propondo uma espécie de livre associação entre trabalhos que exploram o potencial formal, linguístico e simbólico das mãos na produção audiovisual. Ainda que inevitavelmente incompleta, essa pequena amostra do uso desse membro indissociável da condição humana aponta para abordagens distintas. Além disso, a sequência de exibição proposta está organizada de modo a partir do filme em que a presença física da mão como dispositivo formal é salientada (Hand Catching Lead, Richard Serra), passando a adquirir conotações linguísticas ambíguas em Erotisme, de Rivane Neuenschwander e, finalmente, tornando-se uma imagem praticamente ausente embora central em La Incorrupta, de Tamar Guimarães.

Richard Serra (EUA), Hand Catching Lead, 1968

Hand Catching Lead é o primeiro de uma série de filmes produzidos por Richard Serra na década de 1960 e protagonizados por mãos – foi seguido de Hand Lead Fulcrum (1968), Hands Scraping (1968), Hands Tied (1968) e Frame (1969). Nesse período, Serra acompanhava avidamente as atividades do Judson Theatre, e a influência de Yvonne Rainer, particularmente do seu Hand Movie (1966) – produzido durante o internamento da coreógrafa num hospital – é evidente neste trabalho. No entanto, enquanto o filme de Rainer explora gestos que criam uma coreografia complexa, Hand Catching Lead enfatiza a repetição quase mecânica de uma ação simples e despropositada.


Rivane Neuenschwander (BR), Erotisme, 2014, 5’46’’

Assim como Hand Catching Lead, Erotisme toma Hand Movie (1966), de Yvonne Rainer, como fonte de inspiração. O filme é baseado num diagrama de língua gestual que ilustra um verbete sobre o erotismo publicado no periódico surrealista Le da Costa encyclopédique (Paris 1947-8), no qual cada gesto corresponde a um verbo – inventado ou não – com conotações sexuais. No vídeo, esses gestos são encenados um a um contra um fundo neutro, capturados em preto e branco, e intercalados com imagens de cada palavra gravadas toscamente sobre superfícies de madeira colorida. Além disso, mão e sombra são interpretados por atrizes diferentes simultaneamente, ocasionando um descompasso subtil entre os dois movimentos.

 

Som O Grivo

Intérpretes britânicas de língua gestual Vilma Jackson, Donna Mullings

Direção de arte Jesse Watt

Cortesia da artista e Fortes D’Aloia Gabriel


Tamar Guimarães (BR), La Incorrupta, 2016, 36’, vídeo HD, cor som

A narrativa do filme organiza-se em torno de uma situação controversa envolvendo uma jovem curadora estrangeira convidada a organizar uma exposição num grande museu. Como parte da sua proposta, ela pretende exibir a Mão Incorrupta de Santa Teresa de Ávila com o intuito de utilizar a metáfora da mão como um mecanismo para discutir a corrupção como condição humana. Os diálogos entre a personagem central e os funcionários do museu tocam em questões relativas à instrumentalização dos artefactos religiosos, ao estatuto do objeto de arte, à função do museu e aos pequenos atos de corrupção que emergem durante os processos de negociação entre a curadora e a instituição.

 

Produzido por Museo Nacional Centro de Arte Reina Sofía, Madrid, para o Programa

Fisuras, com apoio de Danish Arts Foundation

Cortesia da artista e Fortes D’Aloia Gabriel


1 Setembro, 23h15
Museu Nacional de História Natural e da Ciência (MUHNAC)

 

Imaginar o Futuro
Curadoria de Evanthia Tsantila
Duração da sessão 57’

 

Nos anos que antecederam 1980, as pessoas na Grécia viviam numa relativa “normalidade”. A sua capital, Atenas, era uma cidade caótica do sul da Europa que, apesar da sua decadência, parecia ser interessante e encantadora. Eva Stefani mostrou o seu projeto Bathers em 2008, no qual seguiu, ao longo de alguns anos, um grupo de anciãos gregos, homens e mulheres, que se encontram todos os verões em várias cidades termais na Grécia. A sua presença inconfundível fez com que as pessoas se sentissem à vontade e criou um sentimento de confiança e familiaridade entre a artista e os seus conteúdos. A sua câmara captou esta comunidade transitória em diversos momentos divertidos, perspicazes e melancólicos.

Em 2009 as coisas começaram a mudar, já que a crise financeira internacional atingiu primeiro a Grécia e, por esta razão, os mais violentos e totalmente punitivos programas de resgate financeiro que impuseram medidas de austeridade brutais e sem precedentes, puseram a sociedade grega de joelhos.

Ao olhar para este vídeo dez anos depois, ninguém pode imaginar o que sucedeu a essas pessoas. Eva Stefani captou esses anciãos nos seus momentos mais vulneráveis, mas também emocionantes e espirituosos, e apenas um ano antes das suas vidas e do seu ritual social anual ter sido violentamente interrompido.

Marina Gioti mostrou o seu trabalho, As to Posterity em 2014. Ao contrário de muitos artistas que nessa altura procuravam documentar a “crise”, escolheu não filmar as próprias pessoas, mas sim os seus traços. Durante cerca de três anos, filmou diversas zonas de Atenas, na altura em que não estavam presentes pessoas. Poder-se-á apenas especular sobre esta ausência registada. Filmou lugares abandonados, ou que o pareciam estar. Alguns deles tinham ainda um significativo valor político, social e simbólico que, devido ao facto de terem caído em degradação e desuso, estão agora perdidos. Marina Gioti conseguiu transformar uma capital extremamente vibrante num local deserto. As pessoas estão ausentes ou já estão mortas? Este é o futuro ou o passado? Esporadicamente, o som dos pássaros e do vento a soprar realça o vazio, com uma ironia subtil.

A Grécia tornou-se num local de experimentação política e castigo, um catalisador para diversas táticas políticas, financeiras e sociais. Apesar da destruição ter sido aceite como “normal”, as pessoas esforçam-se por se apegarem ao senso de dignidade e orgulho, e não perderem o seu ânimo. Ambos os artistas lançam um olhar discreto e atento, mas também crítico, sobre as condições sociais e políticas do mundo onde vivem e, com as suas obras, tentam dar-nos um vislumbre sobre o nosso complexo, obscuro e quase inconcebível presente.

Evanthia Tsantila

Berlim, Junho 2018


Marina Gioti (GR), As to Posterity, 2014, 12’

Uma coleção de provas visuais da cidade de Atenas num futuro próximo desprovida de seres humanos. Os seus habitantes desapareceram misteriosamente, deixando para trás um cenário moribundo de betão armado, metal e resíduos de plástico, coexistindo com o glorioso mármore e a fauna e flora local. Parte ficção científica e parte mistério arqueológico, o trabalho apresenta uma pitoresca expedição às novas ruínas da Grécia, através da aposição de achados que funcionam como pistas para o desconhecido destino dos protagonistas elusivos do filme: os atenienses – que brilham pela sua ausência.

 

Realização, Imagem, Som e Edição Marina Gioti

Fotografia adicional Yiannis Kanakis

Mistura de som Stefanos Konstantinidis


Eva Stefani (EUA), Bathers, 2008, 46’

O filme acompanha uma época de verão na vida de um grupo grego de homens e mulheres aposentados, visitantes assíduos de diversas cidades termais gregas. A vida à volta das cidades termais gregas movimenta-se devagar, com ritmos que relembram tempos passados. Nesta atmosfera indiferente, as pessoas estão à vontade para fazer e dizer coisas que nunca seriam permitidas nos seus respetivos círculos sociais normais. Sente-se no ar uma sensação de liberdade e leveza. Em lugar de estar entre pessoas idosas, temos a sensação de estar entre um grupo de jovens num acampamento de verão. Esta alegre atmosfera alterna, muitas vezes, com reflexões sobre o passado ou sobre a morte.

 

Realização, Câmara e Produção Eva Stefani

Produção Eva Stefani, GRAAL S.A., ERT

Edição Alexandros Sampsonides

Equipa de pesquisa Nikos Zoiopoulos, Varvara Papadopoulou

Assistência de realização e Segunda câmara Nikos Zoiopoulos

Consultores técnicos Ioannes Darides, Bella Ivanova

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“FUSO 2018 – August 27 to Septembre 2

September 1, 10pm
Museu Nacional de História Natural e da Ciência (MUHNAC)

 

Hand Movie: Richard Serra, Rivane Neuenschwander and Tamar Guimarães
Curatorship by Kiki Mazzucchelli
Total running time 45’

 

Em 1966, Lygia Clark realizou uma proposição em parceria com Hélio Oiticica que envolvia dois participantes cujos pulsos são atados por uma faixa elástica em forma de uma fita de Möbius. Nessa obra hoje considerada emblemática do Neoconcretismo brasileiro, as mãos se tornam protagonistas de um jogo de intersubjetividade no qual a perceção do dentro e do fora está em constante mutação. Clark concebeu esta proposta enquanto fazia fisioterapia no pulso após ter sofrido um acidente de carro.

Curiosamente, neste mesmo ano Yvonne Rainer se recuperava de uma cirurgia no hospital quando recrutou o coreógrafo William Davis para gravar o que seria seu primeiro filme, Hand Movie. Impossibilitada de utilizar seu corpo como instrumento, Rainer executa uma performance para a câmara na qual realiza movimentos aparentemente quotidianos e ao mesmo tempo extremamente complexos com os dedos da sua mão direita.

Este programa toma emprestado o título da obra de Clark e inclui duas obras diretamente influenciadas pelo filme de Rainer, propondo uma espécie de livre associação entre trabalhos que exploram o potencial formal, linguístico e simbólico das mãos na produção audiovisual. Ainda que inevitavelmente incompleta, essa pequena amostra do uso desse membro indissociável da condição humana aponta para abordagens distintas. Além disso, a sequência de exibição proposta está organizada de modo a partir do filme em que a presença física da mão como dispositivo formal é salientada (Hand Catching Lead, Richard Serra), passando a adquirir conotações linguísticas ambíguas em Erotisme, de Rivane Neuenschwander e, finalmente, tornando-se uma imagem praticamente ausente embora central em La Incorrupta, de Tamar Guimarães.

 

In 1966, Lygia Clark produced a project with Hélio Oiticica, in which both participants’ wrists were tied by an elastic band in the shape of a Möbius strip. In that work, which today is considered emblematic of Brazilian Neoconcretism, the hands become protagonists in an intersubjectivity game, in which inner and outer perception are in constant mutation. Clark conceived this project while undergoing physiotherapy on her wrist, the result of a car accident…

Coincidentally, the same year, Yvonne Rainer was recovering from surgery, when she recruited the choreographer William Davis to record what would be their first film, Hand Movie. Unable to use her body as an instrument, Rainer performs for the camera utilizing superficially mundane, while at the same time extremely complex, movements, using only the fingers of her right hand.

This program borrows the title of Clark’s work, and includes two pieces directly influenced by Rainier’s film, proposing a sort of free association between the pieces which explore the formal, linguistic and symbolic potential of hands in audiovisual creation. Though it is inevitably incomplete, this small sample of the use of this body part, which is inseparable from the human condition, points to distinct approaches. In addition, the sequence of the exhibition is organized so that it begins with the film in which the physical presence of the hand as formal device is highlighted (Hand Catching Lead, Richard Serra), moving on to acquire ambiguous linguistic connotations in Erotisme, by Rivane Neuenschwander and, finally, becoming a mostly absent, though central, image in La Incorrupta, by Tamar Guimarães.

Richard Serra (USA), Hand Catching Lead, 1968

Hand Catching Lead is the first in a series of films conveived by Richard Serra in the 60s, in which the protagonists are hands – followed by Hand Lead Fulcrum (1968), Hands Scraping (1968), Hands Tied (1968) and Frame (1969). During this period, Serra was an avid fan of the Judson Theatre and Yvonne Rainer, especially of her Hand Movie (1966) – made during a hospital stay – which is evident in this work. However, while Rainer’s film explores the gestures that create a complex choreography, Hand Catching Lead emphasizes the mechanical repetition of a simple and aimless action.


Rivane Neuenschwander (BR), Erotisme, 2014, 5’46’’

As with Hand Catching Lead, Erotisme finds inspiration in Yvonne Rainer’s Hand Movie (1966). The film is based on a sign language diagram that illustrates an article on eroticism published in the surrealist periodical Le da Costa encyclopédique (Paris 1947-8), and in which each gesture corresponds to a verb – invented or not – with sexual connotations. In the video, those gestures are staged one by one against a neutral background, shot in black and white, and interspersed with images of each word, recorded crudely on coloured wood surfaces. In addition, hand and shadow are interpreted by different actresses simultaneously, providing a subtle dissonance between the two movements.

 

Soundtrack O Grivo

British sign language actresses Vilma Jackson, Donna Mullings

Art direction Jesse Watt

Courtesy of the artist and Fortes D’Aloia Gabriel


Tamar Guimarães (BR), La Incorrupta, 2016, 36’, HD vídeo, colour, sound

The narrative of the film turns on a controversial situation, involving a young foreign curator who is invited to organize an exhibition in a large museum. As part of her proposal, she intends to exhibit the Incorrupt Hand of Saint Teresa of Ávila as a metaphor for the hand as mechanism for discussing corruption as the human condition. The dialogues between the main character and the museum employees touch upon questions relating to the instrumentalization of religious artifacts, the status of the art object, the function of the museum and the small acts of corruption that emerge during the negotiation processes between the curator and the institution.

 

Produced by Museo Nacional Centro de Arte Reina Sofía, Madrid, for the Fisuras program, with the support of the Danish Arts Foundation

Courtesy of the artist and Fortes D’Aloia Gabriel


September 1, 11:15pm
Museu Nacional de História Natural e da Ciência (MUHNAC)

 

Figuring the Aftermath
Curatorship by Evanthia Tsantila
Total running time 57’

 

In the years prior to 2008, people in Greece were living in relative “normality”. Its capital, Athens, was a chaotic southern European city that in spite its decadence looked interesting and enchanting.

Eva Stefani showed her project Bathers in 2008, in which she followed for a couple of years a group of elderly Greek men and women who met every summer at various spa towns around Greece. Her distinctive presence put people at ease and created feeling of trust and familiarity between the artist and her subjects. Her camera captured this transient community in various amusing, insightful and melancholic moments.

In 2009 things began to change, as the international financial crisis hit Greece first and for that reason the hardest through wholly punitive financial “rescue” programmes that imposed unprecedented, brutal austerity measures and brought Greek society to its knees.

Looking at this video ten years later, one cannot help wonder what became of these people. Eva Stefani captured these elderly people in their most vulnerable, moving but also spirited moments and only a year before their lives and their annual social ritual were violently disrupted.

Marina Gioti showed her work As to Posterity in 2014. Unlike many artists who at that time were documenting the “crisis”, she chose not to film the people themselves but their traces. For some three years she filmed various parts of Athens at times where no people were present. One can only speculate about this recorded absence. She filmed places that either look like or are abandoned. Some of them even had a significant political, social and symbolic value, which due to their falling into decay and disuse has now being lost. Marina Gioti managed to transform an extremely vibrant capital city to a deserted site. Are people absent or already dead? Is this a future or is this a past? Every now and then sounds of birds and the blowing wind underlines the emptiness with subtle irony.

Greece became a place for political experimentation and punishment, a catalyst for various political, financial and social tactics. Although destruction seems to have been accepted as “normal”, people try hard to cling to a sense of dignity and pride, and not to lose their spirit.

Both artists cast a discreet and sensitive but also critical eye on the social and political conditions of the world where they live, and with their artworks attempt to give us a glimpse of our complex, obscure and almost inconceivable present.

Evanthia Tsantila

Berlin, June 2018


Marina Gioti (GR), As to Posterity, 2014, 12’

A collection of visual evidence from an Athens of the near future devoid of humans. Its inhabitants have mysteriously disappeared, leaving behind a “tableau mourant” of reinforced concrete, metal and plastic debris coexisting with glorious marble and the local flora and fauna. Part science fiction, part archaeological mystery, the work offers a picturesque expedition of the new Greek ruins, through an apposition of findings that serve as hints for the unknown fate of the film’s elusive protagonists: the conspicuous by absence, the Athenians.

 

Directing, Image, Sound and Editing Marina Gioti

Additional photography Yiannis Kanakis

Sound mixing Stefanos Konstantinidis


Eva Stefani (USA), Bathers, 2008, 46’

The film follows a summer season in the lives of a group of retired Greek men and women who are regular visitors at various Greek spa towns. Life around Greek spa towns moves slowly with rhythms that are reminiscent of times past. Within this listless atmosphere people feel free to do and say things they would never be allowed in their respective normal social circles. A sense of freedom and lightness is in the air. Instead of being amongst elderly people, one often gets the feeling of being around a group of teenagers in a summer camp. This joyful atmosphere often alternates with reflections on the past or on death.

 

Directing, Camera and Production Eva Stefani

Production Eva Stefani, GRAAL S.A., ERT

Editing Alexandros Sampsonides

Research team Nikos Zoiopoulos, Varvara Papadopoulou

Assistant director and Second camera Nikos Zoiopoulos

Technical advisors Ioannes Darides, Bella Ivanova