“FUSO 2013 – August 20 to September 19“
BES Arte & Finança
O MAR: muitas marés, uma única vaga de descontentamento
Curadoria de João Laia
“E se inventássemos o mar de volta, e se inventássemos partir, para regressar?”
José Mário Branco, FMI (1978)
A utilização do mar como símbolo e cenário de conflitos de identidade coletiva, social e individual tem um longo e complexo percurso histórico, incorporando questões díspares relacionadas com ideias como território, memória, economia e afeto. Portugal é um exemplo dramático deste tipo de dinâmicas: a sua localização geográfica aliada aos recorrentes conflitos com o país vizinho foram fatores de grande importância na construção de um entendimento particular do elemento marítimo e ao seu papel preponderante no desenvolvimento do imaginário simbólico nacional. No interior desta evolução, o período conhecido como os Descobrimentos é o ponto central da autorrepresentação alegórica do país. A sua herança cultural foi-se desenvolvendo ao longo dos séculos, moldada de acordo com os diferentes projetos ideológico-políticos vigentes, que partilham o alicerce das suas construções identitárias num relacionamento simbólico e, por vezes, ritual e místico com o mar. Obras como Os Lusíadas de Luís de Camões, A Peregrinação de Fernão Mendes Pinto, A Mensagem de Fernando Pessoa, a Ode Marítima de Álvaro de Campos, ou A Jangada de Pedra de José Saramago são referências literárias maiores numa ampla constelação de exemplos possíveis.
Apesar da complexidade deste processo de projeção identitária, a permanente utilização do mar ao longo dos tempos levou à sua sólida incorporação no inconsciente social do país. No decurso de séculos, a referência ao elemento no interior de diferentes interpretações e narrativas sobre Portugal tornou-se uma ferramenta eficaz, estimulando a ativação de um esquema de referências partilhadas socialmente. É simples identificar a sua presença nas representações contemporâneas do país, uma recorrência que se deve tanto à sua utilização repetida como à presumida unanimidade que cada referência tenta comunicar. A sua aplicação tornou-se transversal na sociedade portuguesa, sendo observável em discursos institucionais ou de oposição, em práticas artísticas, documentos de pesquisa ou conversas informais. Como exemplos recentes pode-se indicar a afirmação de 2011 do Primeiro-Ministro Pedro Passos Coelho: “em 2013 Portugal terá dobrado o cabo das Tormentas” (1), a autocaracterização como “marés” de diferentes agrupamentos de uma manifestação em Maio passado (2), ou a representação nacional na Bienal de Veneza deste ano, que apresenta o cacilheiro apropriado por Joana Vasconcelos. Outros casos relevantes podem ser identificados no tema escolhido para a Expo’98: Os Oceanos um património para o futuro, ou na localização escolhida para formalizar a entrada de Portugal na Comunidade Económica Europeia em 1986 e assinar o Tratado de Lisboa em 2009: o Mosteiro dos Jerónimos. Este conjunto de eventos apresenta uma forte carga ideológica, desenhando diferentes tentativas de (re)construção da identidade nacional que, paradoxalmente, se alicerçam, de forma constante, na mesma entidade simbólica. Entre as inúmeras outras possibilidades que ilustram esta dinâmica, podem ainda ser referidos o grupo pop dos anos oitenta Heróis do Mar ou o ditado popular “Há mar e mar, há ir e voltar.”
O mar: muitas marés, uma única vaga de descontentamento apresenta uma seleção de trabalhos recentes, que refletem a utilização do mar como agente simbólico e onde cada intervenção, neste contexto, problematiza, sublinha e/ou acrescenta outras dimensões à metanarrativa que tem permeado a construção da identidade coletiva do país. Da mesma forma, pretende-se também relacionar o conjunto destas pesquisas com o contexto atual do país, onde o universo marítimo tem sido utilizado com regularidade no interior de diferentes discursos, funcionando como um porto de abrigo para uma identidade em crise. O Mar: muitas marés, uma única vaga de descontentamento não é uma coleção exaustiva das representações do elemento marítimo produzidas no meio artístico português. A exposição propõe, de outro modo, questionar discursos cristalizados, abrindo a possibilidade a outros tipos de (auto)representação e explorando os pontos de continuidade e rutura entre a pluralidade de discursos artísticos apresentada e a imagem presente do país. O eco entre a citação de José Mário Branco e a situação atual reflete a estrutura cíclica da utilização do imaginário do mar e aponta a necessidade de problematizar esta narrativa através de um debate público, no qual esta exposição se pretende inserir.
João Laia
(1) “Em 2013 Portugal terá passado o Cabo das Tormentas” in Diário de Notícias 21/12/2011
(2) Ana Henriques, “Muitas marés, uma só vaga de descontentamento” in Público 02/03/2013
Agradecimentos
A todos os artistas, à equipa do FUSO e à equipa do BES Arte & Finança, em especial a Mariana Castelo Branco, Luis Trindade, João Mourão e Luís Silva (Kunsthalle Lissabon), Dr. António de Miranda e Rosário Dantas (Museu da Cidade), Catarina Oliveira
Ana Rito, Semi-Panoramic Sea Concert, 2010, 4’, loop, 8mm transferido para DVD, P&B, som
Semi-Panoramic Sea Concert (2010) tem por base uma coreografia realizada por uma bailarina, uma espécie de imagem de arquivo que confronta o espectador com uma ação contínua, sem clímax. Esta performance para a câmara traduz o diálogo entre o corpo e a sua imagem projetada, onde o gesto sustenta o próprio tempo e o próprio espaço. A natureza é apresentada como uma entidade, um personagem que dialoga com um corpo, o da performer, articulando conceitos como interior e exterior, presença e ausência. Esta imagem provoca uma estranheza e uma curiosidade imediatas, ao mesmo tempo que revela uma familiaridade pacificadora. A ação compreende uma espécie de “transladação” do corpo, dos seus gestos quotidianos para um espaço outro, para um lugar que agora habita e constrói: tudo aparenta estar posicionado para que o seu mundo aconteça, se concretize. Este seu mundo estabelece-se entre o privado e o público, entre o segredo e a sua revelação imediata, diluindo fronteiras, rebatendo paredes e assumindo o interstício entre o dentro e o fora. O interior projeta-se no exterior e aciona imediatamente o movimento inverso, ininterruptamente. A estrutura arquitetónica outrora opaca (sala de concerto, teatro), “fechada”, física, torna-se agora translúcida e “aberta”, recetiva ao olhar do outro. O lugar é assim construído pelo gesto, que estabelece pontes invisíveis e articuladas com conceitos permeáveis e provisórios, mas sempre inferindo o tema primordial: a relação do corpo de um com a vastidão e fúria do mar.
André Romão, O Inverno do (Nosso) Descontentamento, 2010
O trabalho explora não apenas as sobreposições, mas também as falhas e ausências de sentido na contiguidade entre referências e episódios históricos, literários e artísticos. Efetuando uma pesquisa contínua sobre o que se pode revelar de terrivelmente humano na produção cultural, na inevitabilidade das transições na ciclicidade histórica e permanência de conceitos.
O titulo da peça surge por duas vias; por uma lado, “inverno do descontentamento”, nome genérico de um período de greves e contestação social em Inglaterra durante a década de setenta do séc. XX; por outro, “o inverno do nosso descontentamento, convertido agora em glorioso verão…”, uma famosa citação da peça Ricardo III de Shakespeare, que dá conta da mudança de fortuna para a casa de York. As duas referências apontam para períodos de mudança, e são esses momentos de passagem, com as sua falhas, sobreposições, energia e medo de transição, que se pode dizer que constituem o cerne do trabalho agora apresentado.
A peça, uma escultura derrubada de 1947 do escultor modernista Leopoldo de Almeida, funciona quase como uma demonstração retórica da coincidência do real e do simbólico num processo revolucionário. A História tem provado que as primeiras vítimas de períodos de transição são esculturas, que são em pouco tempo substituídas por outras. Desta forma, o trabalho questiona o papel da escultura como o derradeiro objeto político, organizando dinâmicas e projeções de memória coletiva dentro de uma comunidade.
Escultura em gesso Nicolau Coelho (1948), Leopoldo de Almeida, Museu de Lisboa
Gabriel Abrantes & Daniel Schmidt, Palácios de Pena, 2011, 55′, 16mm transferido para DVD, cor, som
Assombradas pelas suas próprias vidas sem rumo, duas raparigas pré-adolescentes reencontram-se quando estão de visita à avó doente. No meio das suas fantasias com um passado medieval – consumido pelo medo e pelo desejo – as duas raparigas sofrem uma transformação e enfrentam um legado de opressão. “O amor é, finalmente, um cruzamento de pernas, uma união de barrigas, um breve tremor de artérias, uma confusão de bocas, uma batalha de veias, um enrolar de coxas, quem disser o contrário é uma besta.” Gregório de Mattos (séc. XVII)
João Pedro Vale & Nuno Alexandre Ferreira, Uma Fenda na Muralha, 2006, 12’, instalação sonora, loop
O título da peça, Uma Fenda na Muralha, é a expressão que designa o amansar da ondulação marítima que permite aos barcos chegar à praia em segurança, sendo igualmente uma referência ao livro onde Alves Redol em 1959, descreveu a realidade piscatória da Nazaré. Para este trabalho, foi pedido a um grupo de “Nazarenas”, que recriassem, perante uma cena de naufrágio, o “carpir” que lhe estava associado. A peça resulta numa composição sonora com os sons recolhidos, onde choro, lamentos histéricos e rezas, se misturam num possível retrato da sua situação socioeconómica.
Com o elenco feminino do grupo folclórico “Velha Guarda” da Nazaré, Portugal
João Seguro, Dioptrique, 2005, 8’, vídeo, cor, som, loop
No vídeo Dioptrique (2005), a paisagem da orla costeira é vista a partir de um barco a diferentes distâncias da costa. Entre a câmara e a margem, o artista coloca um reticulado, uma grelha transparente engendrada e defendida por Leon Battista Alberti no renascimento como uma ferramenta-garante do desenho em perspetiva que aqui funciona e é atualizado como um elemento intertextual.
A descoberta da perspetiva linear levou a uma verdadeira revolução e distinção clara entre a visão e a representação. Para alguns, este momento é interpretado como aquele que instaura uma descorporalização do olhar e início do nosso ocularcentrismo.
João Seguro desestabiliza a tradição cartesiana do olhar e normas da perspetiva ao sujeitar a câmara e a grelha às oscilações do barco, apresentando uma conceção da visão e representação como uma linguagem, como algo mediado e não imediato. A obra do artista evidencia a questão da ótica como historicamente fabricada e profundamente sedimentada; o nosso olhar – e não apenas o olhar do artista – como uma realidade adquirida e culturalmente determinada, um regime onde a visão é tudo menos “natural”. O olhar regressa deste modo à sua origem, ao corpo sensível e em última instância, ao espectador.
Jorge Santos, O Navio, 2006, 2’20’’, vídeo, cor, mudo, loop
Fade in, uma paisagem de Lisboa à noite com a vista da ponte 25 de Abril.
Um portal telescópico abre-se até aos limites da projeção. Num plano fixo, a paisagem mantem-se estática, subitamente a ponte 25 de Abril começa a deslocar-se. Sobre a paisagem através do rio como se de um navio se tratasse, até desaparecer de plano.
O portal telescópico fecha-se, fade out.
Mariana Caló & Francisco Queimadela, Carta ao Porvir, 2012, 13’, instalação de vídeo, loop, P&B, livro pintado à mão, impressões
Carta ao Porvir – composto por um vídeo a preto e branco, um livro pintado à mão e uma pilha de impressões – é centrada na ideia de comunicação no tempo, combinando as noções de cápsulas temporais intencionais e não intencionais, em relação às particularidades de uma localização específica, os penhascos de cal das áreas de Cuckmere Haven e Seven Sisters (Leste de Sussex, Reino Unido).
Para este capítulo, os artistas estavam interessados em compreender diferentes formas de transmissão de conteúdos e situações cristalizados no tempo. Para isso, eles adaptaram a noção de cápsulas do tempo como elementos-chave para mapear conjuntos de sinais de contextos específicos e canais de correspondência de diferentes épocas. Um exemplo relevante disto é o Cilindro de Ciro, o Grande, uma cápsula do tempo não intencional que é formalmente evocada pelos artistas, para o seu uso como uma ferramenta para a transmissão de conteúdos escritos no espaço e no tempo e para sua forma, que ecoa na aparência da cápsula concebida em Carta ao Porvir.
A paisagem sobrenatural de Seven Sisters atraiu os artistas principalmente pelos sinais percetíveis da passagem do tempo ao longo de milhões de anos, facilmente reconhecíveis pelas suas particularidades geológicas. A regularidade distinguível dos seus estratos e os fósseis e microfósseis abundantes que compõem a cal são revelados neste trabalho – seja através de um processo análogo a uma observação científica ou pelo simples ato de procurar com os sentidos – espelhando um processo em que se desvendam camadas, em direção ao passado. Os penhascos em contínua mutação, que agora são gradualmente engolidos pelo mar, representam um ciclo que parece ser interpretado e incorporado, por vários meios, nos principais componentes da instalação.
Pedro Neves Marques, Costa Atlântica Portuguesa (de Caminha, Viana do Castelo ao Cabo de Sagres), seis vídeos HD, cor, som, entre 35’ e 90’ (versão editada) ou 5 e 9 horas (versão integral), exibidos um por dia durante seis dias, loop
De 25 de Setembro a 5 de Outubro de 2007, um veleiro Dufour, com uma tripulação de cinco pessoas, navegou ao longo de toda a costa atlântica portuguesa, desde Caminha, Viana do Castelo até ao Cabo de Sagres. Toda a costa foi registada em vídeo, perfazendo um total de 54 horas (a duração da viagem).
Os seis vídeos selecionados correspondem aos seis dias da viagem. Eles são mostrados num loop de seis dias, uma projeção diária para cada dia no mar. Um calendário das exibições está disponível para consulta.
A versão exibida aqui é uma versão editada, com uma duração de aproximadamente 90 minutos por vídeo, editada em secções correspondentes a cada hora da viagem.
Imagem e Som Pedro Neves Marques, Joana Escoval e Mariana Silva
Agradecimentos Joana Escoval, Mariana Silva
August 20 to September 19
BES Arte & Finança
The Sea: many tides, a single wave of discontentment
Curatorship by João Laia
Considering the sea as a symbol and scenario of conflicts on the collective, social and individual identity has a long and complex history, incorporating distinct questions related to ideas such as territory, memory, economy and affection. Portugal is a dramatic example of this type of dynamics: its geographic location in addition to the recurrent conflicts on the neighboring country were factors of great importance in the construction of a particular understanding on the sea element and its preponderant role in the development of the national symbolic imaginary. Within this evolution, the period known as the Discoveries is the central point of the country’s allegorical self-representation. Its cultural heritage has developed over the centuries, shaped according to the currently different ideological and political projects, which share the foundation of their identity constructions in a symbolic and sometimes ritual and mystical relationship with the sea. Works such as The Lusiads by Luís de Camões, Pilgrimage by Fernão Mendes Pinto, Message by Fernando Pessoa, Naval Ode by Álvaro de Campos, or José Saramago’s The Stone Raft are major literary references in a wide constellation of possible examples.
Despite the complexity of this identity projection process, the permanent use of the sea over time has led to its solid incorporation into the country’s social unconscious. Over the centuries, the reference to this element within different interpretations and narratives about Portugal has become an effective tool, stimulating the activation of a socially shared referral scheme. It is easy to identify its presence in contemporary representations of the country, a recurrence due to both its repeated use and the presumed unanimity that each reference tries to elucidate. Its applicability became transversal in Portuguese society, being present in institutional or oppositional discourses, in artistic practices, research documents or informal conversations. Recent events include the 2011’s statement by Pedro Passos Coelho: “in 2013 Portugal will have crossed the Cape of Storms” (1), the self-characterization as “tides” of different clusters of a riot last May (2), or the national representation at this year’s Venice Biennale, which presents the catamaran appropriated by Joana Vasconcelos. Other relevant cases can be identified in the theme chosen for Expo’98: The Oceans, a Heritage for the Future, or in the chosen location to formalize the entry of Portugal into the European Economic Community in 1986 and to sign the Treaty of Lisbon in 2009: The Jerónimos Monastery. This list of events has a strong ideological meaning, setting different attempts to (re)construct the national identity which, paradoxically, are constantly based on the same symbolic entity. Among the many other possibilities which illustrate this dynamic, can still be referred the eighties pop group Heróis do Mar or the popular saying “Há mar e mar, há ir e voltar”.
O mar: muitas marés, uma única vaga de descontentamento (The Sea: many tides, a single wave of discontentment) presents a selection of recent works which reflect the use of the sea as a symbolic agent and where, in this context, each intervention problematizes, underlines and/or adds other dimensions to the meta-narrative that has permeated the construction of the country’s collective identity. Similarly, it is also intended to relate the set of these researches to the current context of the country, where the maritime universe has been used regularly within different discourses, functioning as a shelter for an identity in crisis. The Sea: many tides, a single wave of discontentment is not an exhaustive collection of the sea element’s representations produced in the Portuguese artistic milieu. Otherwise, this exhibition proposes to question crystallized discourses, opening the possibility to other types of (self) representation and exploring the continuity and rupture points between the plurality of the artistic discourses presented and the present image of the country. The echo between the quote by José Mário Branco and the current situation reflects the cyclical structure on the use of the sea’s imaginary and points out the need to problematize this narrative through a public debate in which this exhibition wants to be part of.
João Laia
(1) “Em 2013 Portugal terá passado o Cabo das Tormentas” in Diário de Notícias 2011/12/21
(2) Ana Henriques, “Muitas marés, uma só vaga de descontentamento” in Público 2013/03/02
Acknowledgements
To all the artists, the FUSO team and to the BES Arte & Finança team, specially to Mariana Castelo Branco, Luis Trindade, João Mourão and Luís Silva (Kunsthalle Lissabon), Dr. António de Miranda and Rosário Dantas (Museu da Cidade), Catarina Oliveira
Ana Rito, Semi-Panoramic Sea Concert, 2010, 4’, loop, 8mm film transferred to DVD, B&W, sound
Semi-Panoramic Sea Concert (2010) is based on a choreography performed by a ballerina, a kind of image that confronts the viewer with a continuous action, and no climax. This performance translates to the camera the dialogue between the body and its projected image, which sustains the gesture’s own time and space. Nature is presented as an entity, a character who speaks with a performer’s body, articulating concepts such as indoor and outdoor perspectives and nuances, as well as presence and absence. This causes an immediate strangeness and curiosity, while pacifying shows in fact a familiarity. The action includes a kind of “translocation” of the body and its everyday gestures to another space, to a place which now inhabits and constructs: everything seems to be positioned so that its world can happen, can actually materialize itself. This world sets itself between private and public, between secret and its immediate revelation, diluting boundaries, hitting walls and assuming the interstitium between inside and outside. The interior location of the concert hall is now transported to the outside and immediately triggers the reverse movement, without interruption. The architectural structure that was formerly “opaque” and dense (concert hall, theatre), “closed” as well, now becomes translucent and “open”, receptive to other’s gaze. Thus, this place is built for the gesture, which sets invisible bridges and articulated ones with concepts that are permeable and provisional, but always inferring the main theme: the relation of one body with the vastness and fury of the Sea.
André Romão, O Inverno do (Nosso) Descontentamento (The Winter of Our Discontent), 2010
The work not only explores the overlaps, but also the flaws and absences of meaning in the contiguity between references and historical, literary and artistic episodes. Carrying out a continuous research on the human aspects that can be found in cultural production and, more specifically, in the inevitability of transition within historical cycles and permanence of concepts.
The work title thus appears by two different ways: on one side, “winter of discontent” is the generic name given to a period in United Kingdom’s recent history, the seventies, marked by several strikes and social upheaval; on the other side, “Now is the winter of our discontent / Made glorious summer by this sun of York”, the famous opening lines of Shakespeare’s Richard III, describing the changes happening to the House of York. Both references point towards periods of change, and their inherent flaws, overlaps, energy and fear of change, which constitute the core of this work.
This sculpture, an overthrow statue from 1947 by the Portuguese modernist artist Leopoldo de Almeida, works almost as a rhetorical demonstration on the coincidence of the real and symbolic aspects in a revolutionary process. History has proven that the first victims of transition processes are statues, only to be soon replaced by another ones. Thus, inquiring on the role of sculpture as the ultimate political object, organizing dynamics and projections of collective memory within a community.
Sculpture in plaster Nicolau Coelho (1948), Leopoldo de Almeida, Lisbon Museum
Gabriel Abrantes & Daniel Schmidt, Palacios de Pena (Palaces of Pity), 2011, 55’, 16mm film transferred to DVD, colour, sound
Haunted by their own directionless lives, two pre-adolescent girls reunite while visiting their ailing grandmother. In the midst of her fantasies of a medieval past – one consumed by fear and desire – the two girls are transformed and confront a legacy of oppression. “Love is finally, an entrancement of legs, a union of bellies, a brief tremor of arteries, a confusion of mouths, a battle of veins, a rolling of thighs, whoever says otherwise is a beast.” Gregório de Mattos (XVII century)
João Pedro Vale & Nuno Alexandre Ferreira, Uma Fenda na Muralha (A Crack in the Wall), 2006, 12’, instalação sonora, loop
The title of this piece, A Crack in the Wall, is the expression that describes the taming of the sea ripple which allows the boats to reach the shore safely, being also a reference to the book where Alves Redol in 1959 described the fishing reality of Nazaré. For this work, a group of “Nazarenas” were asked to recreate the “carpir” that was associated with it before a sinking boat. The piece results in a sound composition with the collected sounds, where weeping, hysterical lamentations and prayers, are mixed in a possible portrait of their socioeconomic situation.
With the “Velha Guarda” female folkloric group from Nazaré, Portugal
João Seguro, Dioptrique, 2005, 8’, video, colour, sound, loop
In Dioptrique (2005), the coastline landscape is seen from a boat at different distances from the shore. Between the camera and the shore, the artist places a reticulate, the see-through grid engendered and theorized by Leon Baptista Alberti in the Renaissance as a perspective drawing apparatus here corroborated as an intertextual element.
The discovery of linear perspective led to a true revolution and clear distinction flanked by vision and representation. For some, this moment is interpreted as the instant when the disembodiment of the gaze occurs, as the beginning of our ocularcentrism.
João Seguro destabilizes the Cartesian tradition of the gaze and its perspective normative by subjecting the camera and the grid to the boat ripples and thus presenting a notion of vision and its depiction as a mediation and not instantaneous. The artist’s work evidences the gaze theme as a profoundly residual cultural construct, indicative of a system where vision is all but “natural”. The gaze returns to its origin, to the sensible body and finally to the viewer.
Jorge Santos, O Navio (The Ship), 2006, 2’20’’, video, colour, silent, loop
Fade in, a landscape of Lisbon at night with the 25 de Abril bridge.
A telescopic portal opens up to the limits of the projection. In a static shot, the landscape remains static as well, but suddenly the 25 de Abril bridge starts to move, like a ship on the landscape across the river, until it disappears.
The telescopic portal closes, fade out.
Mariana Caló & Francisco Queimadela, Carta ao Porvir, 2012, 13’, video installation loop, B&W, sound, painted book, prints
Carta ao Porvir – composed by a black and white video, a hand-painted book and a pile of printouts – is centred on the idea of communication in time by combining the notions of intentional and unintentional time capsules, in relation to the particularities of a specific location, the chalk cliffs of the Cuckmere Haven and Seven Sisters areas (East Sussex, UK).
For this chapter the artists were interested in understanding different forms of transmission of crystalized contents and situations in time. For this, they adapted the notion of time capsules as key elements for mapping clusters of signs from specific contexts and channels for correspondence with different eras. A relevant example of this is the Cylinder of Cyrus the Great, a non-intentional time capsule which is formally evoked by the artists, for its use as a tool to the transmission of written contents over space and time and for its shape, which echoes in the appearance of the capsule devised in Carta ao Porvir.
The otherworldly landscape of the Seven Sisters appealed to the artists mainly for the perceivable signs of the passing of time over millions of years, easily recognizable in its geological particularities. The distinguishable regularity of its strata and the abundant fossils and microfossils that compose the chalk, are revealed in this work – either through an analogous process to a scientific observation or by following the simple act of searching with the senses – mirroring a process of unveiling layers in the direction of the past. The continuously changing cliffs that are now gradually being swallowed by the sea, represent a cycle that seems to be interpreted and embodied, by various means, in the main components of the installation.
Pedro Neves Marques, Portuguese Atlantic Coast (from Caminha, Viana do Castelo to the Cape of Sagres), six HD videos, colour, sound, 35’ to 90’ (editing version) or 5 to 9 hours (full version), shown one per day for six days, loop
From September 25 to October 5 2007, a Dufour sailing boat, with a team of five members, sailed along the whole Portuguese Atlantic coast, from Caminha, Viana do Castelo to the Cape of Sagres. The whole coast was registered in video, totalling 54 hours (the duration of the voyage).
The six videos screened correspond to the six days of the voyage. They are shown in a loop of six days, each daily projection for each day at sea. An exhibition calendar is available for consultation.
The version exhibited here is an abridged version to a length of approximately 90 minutes per video, edited in sections corresponding to each hour of the voyage.
Image and Sound Pedro Neves Marques, Joana Escoval and Mariana Silva
Acknowledgements Joana Escoval, Mariana Silva