“Quem tem medo das emoções?”

ANA PAIS EM CONVERSA COM JORGE MARTINS ROSA E GRAÇA P. CORRÊA

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A pandemia Covid 19 provocou um choque emocional em todo o mundo, convulsionando a vida como a conhecíamos e contaminando a nossa experiência íntima. Embora todos queiramos esquecer e ultrapassar o que vivemos, ainda não falámos o bastante sobre as marcas que essa experiência deixou em nós. Ainda não ganhámos uma maior consciência colectiva sobre como a nossa vida privada é determinada por condicionantes políticas, mediáticas, sociais ou culturais dos acontecimentos que atravessamos. 

O livro Quem tem medo das emoções? reúne episódios em que esses condicionamentos são evidentes, mostrando a relação determinante entre a nossa emoção individual e as atmosferas afectivas em que estamos imersos quotidianamente, numa perspectiva de construção de futuro.
O seu propósito é tornar acessíveis uma série de conceitos e autores contemporâneos que pensam criticamente os afectos que nos podem ajudar a compreender as tramas complexas que nos tecem.
A pretexto do recente lançamento de Quem tem medo das emoções? e da inauguração da instalação/performance de Eunice Gonçalves, juntamos em conversa o investigador Jorge Martins Rosa e a encenadora e investigadora Graça P. Corrêa para trocarmos ideias sobre emoções colectivas e a sua circulação no espaço público, o impacto emocional das imagens de catástrofes nos corpos e nas mentes, contágio ao qual ninguém está imune, e ainda sobre como a arte pode activar emoções e contribuir para uma consciência colectiva destas tessituras invisíveis.
Um pensamento é suficiente para envenenar o sangue. É como um pacotinho de chá mergulhado na água a ferver. Inerte e aparentemente inofensivo, o seu conteúdo contamina o ambiente onde submerge. O aroma das plantas vai-se diluindo, serpenteando suavemente em pequenas ondas até que toda a água fica tingida. Em apenas alguns minutos todo o bule fica da mesma cor. O mesmo acontece com os pensamentos, que transformam o tom emocional do nosso corpo. Imaginemos que um pensamento negativo pipoca na nossa mente, dilui-se silenciosamente e mergulha no nosso sistema sanguíneo, sem nos darmos conta. De repente, todo o organismo fica tingido pelas cargas afectivas que esse pensamento transporta e, como um filtro, permeiam todos os nossos comportamentos e acções dali em diante. Adquirimos o tom emocional desse pensamento, mesmo que não estejamos conscientes dele. De que cor está o nosso sangue depois de meses de pensamentos sobre a morte, a doença ou o contágio em infusão constante na mente? E, mais recentemente, em que cor se transmutou ele depois de semanas de exposição a imagens de guerra non-stop? Será que a nossa inquietação vem não só do facto de o conflito estar a acontecer na Europa, mas também da repetição incessante das mesmas imagens, uma e outra vez? (cap. Varandas, Quem tem medo das emoções? p.80)

Bio

Ana Pais é investigadora em artes performativas (Centro Estudos de Teatro, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa), dramaturgista e curadora. É autora do livro O Discurso da Cumplicidade. Dramaturgias Contemporâneas (Colibri, 2004) e de Ritmos Afectivos nas Artes Performativas (Colibri, 2018). Organizou ainda a antologia Performance na Esfera Pública (Orfeu Negro, 2017) e a sua versão em inglês disponível para download gratuito em www.performativa.pt. Foi crítica de teatro no Público (2003) e no Expresso (2004). Como dramaturgista, colaborou com criadores de teatro e dança em Portugal (João Brites, Tiago Rodrigues, Sara de Castro, Rui Horta e Miguel Pereira) e, como curadora, concebeu, coordenou e produziu vários eventos de curadoria discursiva, dos quais destaca o Projecto P! Performance na Esfera Pública (Lisboa, 10 > 14 Abril de 2017).

Jorge Martins Rosa é doutorado pela Universidade NOVA de Lisboa, sendo professor associado no Departamento de Ciências da Comunicação, bem como investigador no ICNOVA: Instituto de Comunicação da NOVA. Ensina sobre temáticas ligadas à cibercultura e aos media digitais, e foi investigador principal dos projectos «A Ficção e as Raízes da Cibercultura» (2010-2012) e «Redes de Participação Política no Facebook em Portugal» (2018-2022).

Graça P. Corrêa é investigadora em Ciência e Arte na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, integrada no Centro de Filosofia da Ciência-CFCUL, onde atualmente dirige projectos de investigação interdisciplinar sobre a correlação entre Teatro e Teorias da Emoção/Empatia, Sinestesia, Ecofilosofia e Ética.

Ficha Técnica

Edição:
Per form ativa, Associação Cultural

Projecto apoiado por:
República Portuguesa – Cultura | DGARTES – Direcção-Geral das Artes

Edição co-financiada por:
Teatro Rivoli e Teatro Viriato

“Quem tem medo das emoções?”

ANA PAIS TALKS WITH JORGE MARTINS ROSA AND GRAÇA P. CORRÊA

 

The Covid 19 pandemic caused an emotional shock around the world, convulsing life as we knew it and contaminating our intimate experiences. Although we all want to forget and overcome what we went through, we haven’t talked enough about the marks that it left on us. We have not yet garnered a wider collective awareness of how our private lives are determined by the political, mediatic, social or cultural constraints we are exposed to. 

The book Quem tem medo das emoções? (Who is afraid of emotions?) brings together incidents that substantiate the evidence of such conditioning, showing the decisive relationship between our individual emotions and the affective bonds in which we are immersed on a daily basis. The book’s purpose is to convey a series of contemporary concepts and authors who think critically about affections, helping us to understand the complex meshes that entangle us. On the pretext of the recent release of Quem tem medo das emoções? and the inauguration of the installation/performance by Eunice Gonçalves, the researchers Jorge Martins Rosa and Graça P. Corrêa join her to exchange ideas about collective emotions and their dissemination in the public space, the emotional impact of images of catastrophes on our bodies and minds — a contagion to which no one is immune —, and also on how art can trigger emotions and contribute to a collective awareness of these invisible threads. <em>One single thought is sufficient to poison the blood. It’s like a tea bag dipped in boiling water. Inert and seemingly harmless, its contents contaminate the water where it submerges. The aroma of the plants is diluted, gently winding in small waves until all the water has the colour of tea. In just a few minutes the whole teapot has the same colour. The same happens with thoughts, which transform the emotional tone of our bodies. Let us imagine that a negative thought pops up in our mind, dissolves silently, and seeps into our bloodstream, without us being aware of it. Suddenly, the whole organism is tinged by the emotional charge that this thought carries and, like a filter, permeates all our behaviours and actions from then on. We acquire the emotional tone of this thought, even if we are not aware of it. What is the colour of our blood after months of thoughts about death, illness or contagion slowly dripping into the mind? What colour did it transmute into after weeks of exposure to non-stop war imagery? Does our concern come not only from the fact that the conflict is happening in Europe but also from the incessant repetition of the same images, again and again? (cap. Varandas, Quem tem medo das emoções? p.80)

Bio

Ana Pais is a FCT postdoctoral fellow at CET – Centro de Estudos de Teatro at the University of Lisbon/FLUL. She is a dramaturge and a curator, and the author of O Discurso da Cumplicidade. Dramaturgias Contemporâneas (Colibri 2004) and Ritmos Afectivos nas Artes Performativas (Colibri 2018). Pais also compiled and organized the volume Performance na Esfera Pública (2017, Orfeu Negro) and its English online version, available at www.performativa.pt. Pais has worked as a theatre critic for the newspapers Público (2003) and Expresso (2004). As a dramaturge, she has collaborated on theatre and dance projects in Portugal (João Brites, Tiago Rodrigues, Sara de Castro, Rui Horta and Miguel Pereira) and, as curator, she has conceived and coordinated initiatives on discursive practices, of which she wants to highlight Projecto P! Performance na Esfera Pública (Lisbon, 10 to 14 April 2017).

Jorge Martins Rosa is a PhD from the NOVA University of Lisbon, being an associate professor in the Department of Communication Sciences, as well as a researcher at the ICNOVA: NOVA Communication Institute. He teaches on topics related to cyberculture and digital media and was the lead researcher of the projects A Ficção e as Raízes da Cibercultura» (2010-2012) and «Redes de Participação Política no Facebook em Portugal» (2018-2022).

Graça P. Corrêa is a researcher in Science and Art at the Faculty of Sciences of the University of Lisbon, integrated in the Centre for Philosophy of Science (CFCUL) where she currently conducts interdisciplinary research projects on the correlation between Theatre and Empathy, Emotion Theory, Ecophilosophy and Ethics.

Credits

Guests: Jorge Martins Rosa, Graça P. Corrêa and Eunice Gonçalves Duarte

Organization: Per form ativa, Associação Cultural

Project supported by: República Portuguesa – Cultura | DGARTES – Direcção-Geral das Artes

The publishing of the book was co-financed by Teatro Rivoli and Teatro Viriato